As cicatrizes da vida são muitas vezes pontuadas pelas linhas e curvas com que nos cruzamos. Pelas escolhas que fazemos. Pelos tropeções. Quedas. Impactos a que nos atiramos. E também são, outras vezes, a oportunidade de nos entregarmos à escolha do cuidar. Do passar a tinta pelas texturas em reconstrução com a mão que fomos habituados a usar no abraço sem pontos ou vírgulas. Apenas no abraço feito de um texto que sempre se inicia e parece nunca ter um fim.
Neste caminho de cuidado, neste pontilhado do cuidar, ouvimos: “Cuidado, muito cuidado!”. Cuidar atira-nos de cabeça na direção da salvação daquele que se entrega ao nosso despertar. Ali somos. Ali estamos. Ali nos perdemos nos labirintos da entrega onde mora a ténue linha da vida. E cuidar pode também atirar-nos para longe de um cuidado igualmente nuclear sem o qual nenhum cuidado merece ou pode ser cuidado. O cuidado de quem cuida.
Quem cuida de quem cuida? Onde fica esse cuidado naquelas linhas de labirinto que não mostram uma crosta terrestre e se perdem na densidade interior que só se revela quando aparece o primeiro descuido?
Gosto de acreditar que hoje vivo uma profissão que trabalha diariamente para mim, na minha construção e que me oferece respostas sempre que vejo os outros nessa busca.
Enquanto coach, Profissional ICF, cuido saber que desenvolvo tanto quanto possível a “mentalidade de coach”, que me coloca em perspetiva e me oferece a possibilidade do trabalho de desenvolvimento contínuo e de saber que apenas estou em condições de me entregar ao desenvolvimento pessoal e profissional do outro quando ouso fazer primeiro o meu caminho. Esta aprendizagem lembra-me da importância do meu cuidado ao ter que abraçar o cuidado alheio (não, não me refiro a um processo de Coaching que embora sendo um processo em que o coach oferece proteção e segurança ao seu cliente não o vejo como um processo de cuidado). Falo “apenas” da vida.
Sempre que nos oferecemos ao cuidar, há um cuidado, aquele “muito cuidado!”, que se revela nas olheiras com que o espelho nos brinda: A visão do autocuidado.
Não importa o que fazemos na vida quando o que importa é a vida em que nos fazemos. E sempre que o nosso fazer / ser se oferece, por uma faísca de tempo que seja, ao outro, estamos a escutar desse mesmo outro um sussurro de cuidado que temos que ter para connosco. Só assim cuidamos.
Quando alguém se entrega de ferida aberta ao nosso cuidado, está a abraçar-nos com um pedido de ajuda e com a oferta de uma ajuda que não pedimos mas que se nos impõe.
É nesta ajuda partilhada que o abraço se faz em prosa ou verso e que não se perde nos pontos, antes se constrói com eles.
Qualquer ponto final tem a hipótese de cicatrizar se nos cuidarmos.
João Laborinho Lúcio
nowuknow – your journey of u
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