Permitir que as dores do descuidar sejam maiores do que nós, é abrir os abraços ao isolamento, à incapacidade, perda, desvalorização, à desconexão.
“Somos seres de energia. Perdemos energia, perdemos vida.” (Bruce Lipton).
Cuidar pressupõe um caldeirão de tempo e amor, onde a proteção, o apoio, a escuta, representam os ingredientes nutritivos que alimentam a vida, o ser humano.
O cuidar torna-se um super poder que, por magia, é promotor da cura e do equilíbrio quando o que oferecemos de nós a alguém tem definida a fronteira e a balança de que não é inferior ao que oferecemos a nós próprios.
Um excessivo cuidado para com os outros em detrimento do autocuidado reduz o espaço para o receber. Este é um espaço necessário à consciência, para que se possibilite a ligação à nossa essência.
Se o nosso foco é constantemente colocado no mundo exterior e em quem nos rodeia, inevitavelmente saímos do nosso ângulo de visão. Silenciosamente afastamo-nos de nós.
Alimentamos tudo o que requer a nossa energia e esvaziamos. Ficamos sem reservas.
Esta sensação de vazio apropria-se de todo o nosso ser. Ilusoriamente sentimos que conseguimos dar resposta à família, aos colegas, ao trabalho, aos amigos, à casa e a tudo o que inventamos que precisa da nossa atenção. O vazio continua e vem acompanhado da ausência de significado, eficácia, preenchimento, sentido no que se faz, pois o caldeirão deixou de criar alimento. E sem energia, nada se cria.
Significa que, para dar e cuidar, é importante aprender a fazê-lo connosco. Comigo primeiramente. Não é possível dar genuinamente o que não se tem, sem entrar em esforço ou défice.
O cansaço começa assim a fazer parte das respostas que nos exigimos dar, sem compreender que dizer um não, significa saber dizer sim a nós próprios. À nossa saúde mental, emocional, física. Aquela que se reflete na conexão com os outros. A que permite alimentar. Dar e receber.
A carência ou a satisfação inconsciente de necessidades levam a padrões de um dar constante, que pode tornar-se expectante e, em muitos casos, frustrante.
Assumir uma posição de merecimento, permite abrir os braços a receber. A criar valor. Estima. Sendo este um processo evolutivo que se aprende e requer automonitorização para nele nos mantermos.
O início da mudança acontece quando nos permitimos aceitar as nossas limitações e condicionantes. Se é difícil? É muito difícil. Diria até doloroso. Reconhecer as nossas fragilidades é assumirmos aquela parte também humana que faz parte de quem somos.
Quando não o fazemos, os mecanismos que temos, ilusória e temporariamente defendem-nos do que causa desconforto, evitando, recalcando, negando, fazendo crer que a realidade que dói não existe. Não a vemos, não sentimos, é como se não estivesse lá. Mas está. E a partir do momento em que já não é possível ser contida, transborda pelo nosso corpo, através de tremores, insónias, cansaço, tonturas, procrastinação, dificuldade em falar, impactando na relação com os outros, aqueles que gostamos de cuidar, mas já não conseguimos. E todo este ciclo ganha uma dinâmica que grita por ser escutada.
Desidentificamo-nos com aquela pessoa que nos tornámos. Rejeitamos essa realidade. A tendência é evitar o desconforto, afastando-nos dele. De quem o causa. E isso implica afastarmo-nos de nós. Quem sabe até, de quem nos quer cuidar.
É nesta atitude de evitamento que se torna vital recordar que não somos o que sentimos. Somos aquele que sente. A questão está na interpretação que fazemos do que estamos a sentir, sendo que a intensidade das emoções negativas são proporcionais ao significado atribuído à situação, ou estímulo que a faz emergir.
Também quem está ao nosso redor estranha a pessoa que passámos a ser. Mesmo sabendo identificar o que é causa e o que é consequência, por vezes quando se instala a exaustão entre todos os que convivem, as chamadas de atenção tornam-se menos construtivas. Queremos que quem gostamos tome consciência. Volte. A ser, a estar, a sorrir. Silenciosamente instala-se a frustração por sentir a incapacidade de o fazer acontecer.
A anterior colaboração dá lugar ao conflito. De expectativas. Pois, quando estamos menos com quem está menos connosco, a confiança, parceria, partilha são substituídas por passividade, desinvestimento, desconexão. O descuidar.
James Hollis lembra-nos que “É importante recuperarmos a perceção para tomarmos consciência de que seja qual for a realidade, ela será, de alguma forma, moldada pelas lentes através das quais nós a vemos ”.
Muitas vezes parece-nos mais fácil esperar que os outros mudem e correspondam às nossas necessidades, como queremos, como nos faz sentido. No entanto, se pensarmos, o difícil que é cada um de nós mudar hábitos, crenças, comportamentos, facilmente entendemos o mais difícil que é fazer ou provocar mudança em alguém que resiste recebê-la.
Temos a possibilidade de agir a partir do nosso mundo interior. Compreender os fenómenos espelho ou a ressonância do que nos fazem sentir, sem reforçar o padrão do evitamento. Ainda que se sinta dificuldade ou até incapacidade, é possível ressignificar o pensamento, ajustar a interpretação do que se sente e conseguir agir recorrendo a outros recursos, que existem dentro de nós. Que precisam ser resgatados.
Se utilizamos o nosso maior recurso, que é a criatividade para promover o nosso sofrimento, então, é possível utilizá-lo de forma inversa e adaptada.
Por vezes chegamos a um estado em que fazê-lo sozinhos não é suficiente.
Restringir-nos apenas a medicação, não altera estilos de vida, formas de estar, não ajusta estratégias adaptativas, crenças, pensamentos, interpretações e significados que têm história. Nada disto vem em forma de comprimido.
É legítimo o desejo (ilusório) de uma solução rápida. A chegada a estados de exaustão passou por um caminho de muita intensidade, comportamentos reforçados frequentemente e de uma longa duração no tempo. Para se alterar, torna-se necessária intensidade, frequência e duração para criar a mudança. Persistência para ganhar consistência. Tempo, dedicação, autocuidado. É a escolha de um caminho.
“Para mudar temos que pensar maior e além de como nos sentimos” (Joe Dispenza).
Abrir-nos à consciência com humildade, aceitando a nossa condição, permite chegar à nossa essência, e que alguém chegue mais facilmente a nós.
O ponto de partida, os ventos da mudança, passam por nos escolhermos. É esta a âncora da liberdade em ser maior. Sentir melhor. Abrir os braços ao desafio de cuidar, ser cuidado. Dar, receber e assim reaprender a conectar-nos à vida.
Alexandra Cordeiro
nowuknow – your journey of u