O meu corpo começou a relaxar, senti o batimento cardíaco a desacelerar, a respiração mais lenta e prolongada, na inspiração, na expiração. Estava num lugar confortável. Um jardim, com muito verde, onde sentia o vento na cara e o cheiro das flores. Deixei-me ficar a desfrutar, a sentir a textura daquela relva macia e o som dos pássaros. Decidi seguir a viagem e comecei a descer, o caminho era fácil, sentia-me segura e estava acompanhada por uma voz que me guiava. Fui à descoberta. Tudo fluía. Parecia Alice no País das Maravilhas quando entra na árvore e desce até outro mundo. Cheguei a um lugar sereno, onde apareceram várias portas. Era a altura de escolher qual delas abrir para ir dar onde pretendia. Em simultâneo surgiam palavras em cada porta e escolhi. Abri e algo surgiu.
A imagem era nítida.
Olhava para mim e facilmente surgiu a informação de onde estou, que idade tenho. Quem sou eu aqui, neste lugar, que emoções me acompanham e o que vejo.
As palavras e a informação surgiam e, à medida que ia avançando, a posição de abertura e curiosidade criavam o espaço necessário à recetividade. Uma recetividade de braços abertos, sem analisar ou questionar. Apenas observar. Parecia que estava a assistir a um filme. Na verdade estava de olhos fechados. Como quem sonha, mas sem estar a dormir. Plenamente consciente do que me rodeava. Em simultâneo outra parte de mim estava naquele filme.
Assisti a algumas cenas fortes e que, naquele momento, me despertaram as emoções associadas e tantas vezes sentidas e incompreendidas no presente.
Pela circunstância de estar consciente, era-me permitido escolher distanciar-me dessas emoções ou cenas, assim como continuar a (re)vivê-las, ou parar, caso fosse essa a minha vontade. A posição de observadora, é uma posição segura que apenas este estado de relaxamento permite: a possibilidade de comunicar diretamente com a mente inconsciente, que não critica nem raciocina.
É difícil descrever esta viagem, pois trata-se de um caminho de sentires. Sentir e experienciar. O corpo e a mente unem-se, como se dessem as mãos, criando a ponte através da qual emerge a compreensão. Uma compreensão sem dissociações, mecanismos de segurança altamente defensivos. Mas uma ponte de associações, ligações, conexão e encontros.
Uma história que se completa. Que ganha um sentido e significado.
Histórias, tempos, personagens que se cruzam, num estado absolutamente natural.
Um estado que poderia ser o do sono, num sonho, mas aqui os reflexos são diminuídos ou inexistentes. É efetivamente um estado natural de relaxamento consciente, onde os reflexos e as sensações estão presentes. Conscientes. Desmistificando, é o que se chama de transe hipnótico.
Nesta fase, já tinha saído das ondas beta (13 a 30 Hz) maioritariamente de vigília diurna e, atingi as ondas cerebrais alpha (8 a 13 Hz), que alcançamos num estado meditativo e onde aumentamos em 23% a nossa capacidade cognitiva, pois é estimulada a neuroplasticidade. Seguidamente, ou mais profundamente, alcancei as ondas theta (4 a 8 Hz), um estado de quase não consciência, onde o alcance da memória a longo prazo é aumentado e permite continuar a viagem.
Da mesma forma quando conduzimos por um caminho já bastante familiar, pode acontecer no final do percurso, surgir a noção de que não há memória de grande parte do trajeto, nem de pormenores, criando a dúvida se conduzimos bem. A este estado de desligamento, ou ausência, onde predominam as ondas alpha, podemos chamar de estado hipnótico.
São estas mudanças nos padrões das ondas cerebrais que ativam as estruturas no cérebro com maior intensidade, especialmente relacionadas com a memória e emoções.
E assim, através da visualização imagética e muita sensorialidade, as memórias e as emoções armazenadas ganham espaço para emergir, para serem bem recebidas num ambiente seguro.
Vários estudos científicos com tomografias têm comprovado a eficácia desta terapêutica cada vez mais utilizada na prática clínica. Devido ao percurso do médico James Esdaile, por volta de 1960/70, a APA (Associação Americana de Psicologia) e a OMS (Organização Mundial de Saúde) reconheceram o valor e as potencialidades desta técnica em crianças, adolescentes, adultos e idosos que tenham as suas faculdades mentais funcionais, sem contraindicações.
Talvez a maior contraindicação seja a resistência, a dúvida, condicionada pelo que ouvimos ou vemos em filmes e séries, de forma fantasiosa e errada, o que acaba por nos criar uma falsa referência da hipnose clínica, descredibilizando-a.
É certo que todos receamos na nossa vida a possibilidade da perda do controlo ou da consciência. Nesta prática isso não se coloca e, algo de maior acontece, na medida em que é possível aceder aos medos, traumas, que maioritariamente de forma descontrolada emergem através de reações impulsivas ou incontroláveis.
Permitirmos que se manifestem enquanto os observamos, é assegurar um dos maiores superpoderes: a conexão. Comigo, com o que sinto, com o que sou, com a forma como me vejo, com os meus mundos. E unir. Estruturar e ressignificar conscientemente: Conhecer-me.
Por hoje, consegui chegar ao que pretendia, com algumas surpresas pelo caminho, pois este mostra o que é e não é familiar. Ainda assim não me perdi, muito pelo contrário: encontrei tesouros escondidos. E agora tenho-os comigo.
Decidi assim regressar. Voltei à porta que abri, cheguei ao jardim onde me deitei na relva e ali fiquei a descansar. Comecei a sentir-me a regressar ao corpo, à mente, ao batimento cardíaco inicial.
A voz que me guiava ali estava, assistida de um profissionalismo e humanismo inseparáveis.
São vários os capítulos de uma história de vida. Uma história onde se descobrem novos significados. Assim como quando relemos um livro e surgem novas mensagens antes despercebidas, dando um contorno mais definido e integrado aos diversos conteúdos.
O livro da vida de cada um de nós pode ser lido e relido com o objetivo de facilitar o bem estar e o viver a vida livre e sabiamente.
Podemos utilizar diversos meios de transporte. O combustível impulsionador para chegarmos lá é a vontade. Um ‘lá’ que é um ‘aqui’, pois a compreensão e o autoconhecimento constituem viagens de regresso a nós próprios.
Vamos?
Alexandra Cordeiro
nowuknow – your journey of u